Para o governo local, o ano de 1968 era o momento de mostrar ao mundo que o México não se resumia a um país subdesenvolvido. Tendo passado por uma intensa guerra civil, agora, em pleno progresso econômico, estava pronto para revelar seu potencial. Sua capital, a Cidade do México, era a sede dos Jogos Olímpicos daquele ano. O reconhecimento internacional da grandeza do país não tardaria.
Mas nem tudo saiu como sonhavam as autoridades. “Aos 40 anos de estabilidade política e de progresso econômico, uma mancha de sangue dissipava o otimismo oficial e provocava em todos os espíritos uma dúvida sobre o sentido desse progresso”, analisa o ensaísta Octavio Paz em sua obra O Labirinto da Solidão e Post-scriptum. Paz se refere ao Massacre de Tlatelolco, ocorrido em outubro de 1968, a dez dias do inicio das Olimpíadas, e que deixou, até hoje, um número incerto de mortos, calculado entre 300 e 500. Ficou a certeza da impunidade dos culpados, que ordenaram que se abrisse fogo contra uma multidão desarmada.
68 dias
Mas nem tudo saiu como sonhavam as autoridades. “Aos 40 anos de estabilidade política e de progresso econômico, uma mancha de sangue dissipava o otimismo oficial e provocava em todos os espíritos uma dúvida sobre o sentido desse progresso”, analisa o ensaísta Octavio Paz em sua obra O Labirinto da Solidão e Post-scriptum. Paz se refere ao Massacre de Tlatelolco, ocorrido em outubro de 1968, a dez dias do inicio das Olimpíadas, e que deixou, até hoje, um número incerto de mortos, calculado entre 300 e 500. Ficou a certeza da impunidade dos culpados, que ordenaram que se abrisse fogo contra uma multidão desarmada.
68 dias
Em dois atos diferentes, cerca de cinco mil secundaristas caminhavam até a praça da Constituição reivindicando melhores condições para a educação. Em meio ao trajeto, outros universitários, que manifestavam apoio à Revolução Cubana, se juntaram aos estudantes. Era 26 de julho de 1968 e, segundo o intelectual mexicano Sergio Zermeño, deu-se ali o primeiro grande confronto do Estado e suas forças policiais com os manifestantes. “O choque, violento, levou os estudantes que participavam da manifestação a serem caçados e espancados” conta Zermeño, apontando que na ocasião 76 pessoas foram presas. No entanto, para os organizadores, os números foram maiores: 200 prisões, 500 feridos e também se falou em oito mortos. Mesmo sendo um fato aterrador por si, aquele era o prelúdio de um movimento cada vez maior de repressão às manifestações que ocorreriam no país, acompanhando o que já se desnrolava em outras partes do mundo. Quatro dias depois, o Exército é posto nas ruas com o intuito de restabelecer a ordem. Na madrugada de 30 de julho, um jipe com um canhão dispara contra o portão da Universidade Autônoma do México (Unam). Tradicionalmente, as grandes universidades no mundo repudiam qualquer interferência em sua autonomia e toleram ainda menos manifestações belicistas em seus campi. Seguindo esta tradição, o reitor da Unam, Javier Barros Sierra, decreta luto universitário e discursa. “Não é apenas o destino da universidade que está em jogo, mas as causas libertárias do México”, pronunciou incisivamente o reitor no dia 1º de agosto, frente a uma manifestação com cem mil pessoas. No dia 4, os manifestantes apresentavam as reivindicações à população e ao governo do México: liberdade aos militantes presos, destituição dos generais que comandavam a polícia e o exército e revogação do artigo 145 do Código Penal, que tipificava o delito de opinião. “Os mexicanos não propunham uma mudança violenta e revolucionária da sociedade. O movimento foi reformista e democrático”, analisa Octavio Paz.
A partir daí, o que era somente um movimento de estudantes passa a ganhar corpo e contar com a adesão de todas as classes. Enquanto a expansão acontecia, o governo se calava. Um mês após o início das manifestações, no dia 27 de agosto, o país já era palco de um movimento que arrastava pelas ruas 400 mil pessoas. Trabalhadores, estudantes, camponeses e famílias carregavam faixas com frases como: “Nosso desejo, nossas armas”, pedindo o diálogo entre o povo e o governo. “O eixo do movimento e o segredo do seu poder instantâneo de sedução sobre a consciência popular foi a palavra democratização”, pondera Octavio Paz.
A repressão se intensificou no dia 18, quando o governo autoriza a ocupação do Exército no campus da Unam. Estudantes são presos e espancados e uma série de choques entre as forças militares e os manifestantes nas ruas da Cidade do México acontecem. “Os moradores da zona garantiram a logística, oferecendo munição em forma de pratos, garrafas e água fervente; atirando contra as tropas todos os tipos de projéteis”, detalha o professor João Roberto Martins Filho, da PUC-São Carlos. A situação é de um campo de guerra e ao meio-dia do dia 22 de setembro, o governo retira as tropas de Tlatelolco, mas não de outros bairros, onde se especula que haja corpos de estudantes em porões dos prédios.
Olímpia Era dia 30 de setembro, o Exército já havia abandonado o campus da Unam. O Conselho Nacional de Greve (CNG) queria aproveitar a presença da imprensa internacional, que começava a chegar no México devido à proximidade dos Jogos, e denunciar a situação de seu país. “Naquela altura e com as Olimpíadas para começar, o governo parecia cada vez mais impotente diante da ‘hemorragia de autoridade’ aberta pelo movimento”, afirma Martins Filho. Uma reunião foi convocada para o dia 2 de outubro, na praça de Tlatelolco, e ali seria o cenário do massacre. “São uns 6 mil mais ou menos”, narra o jornalista brasileiro Antonio Euclides para a revista Veja, que se desespera logo em seguida. “Às 6 horas e 15 minutos ainda há gente chegando à Praça, quando de um lado dos helicópteros [que sobrevoavam a reunião] aparecem luzes verdes. É o sinal para o ataque.”
Quem prossegue contando os tristes fatos são os jornalistas mexicanos Julio Scherer e Carlos Monsiváis, no livro Los Patriotas – de Tlatelolco a la guerra súcia. “Durante 45 minutos, posicionados nas janelas dos prédios ao redor da praça, atiradores de elite apoiados por tropas federais na praça dispararam contra a multidão, que corria atarantada e encontrava fechadas todas as saídas do lugar.”
David Veja, então estudante, discursava do terceiro andar de um prédio, no exato momento do ataque. “De dentro do edifício a confusão era generalizada, a água jogada pelos policiais se misturava à forte chuva que começava a cair sobre nós e inúmeras poças de sangue, que se encontrava por onde se passava”, narra em seu livro Una Vida de Politécnico.
Gilberto Guevara Niebla, também estudante, em suas memórias conta que não foi atingido pelas balas como muitos, mas foi espancado nos porões de um dos edifícios que rodeia a praça e em seguida colocado em caminhões, junto a outros presos, e levado ao Campo Militar. “A polícia procurava tirar informações sobre armas e munições, que o movimento supostamente escondia. Fui torturado, levei um coronhada no peito, que provocou uma fratura. Depois, passei por um fuzilamento simulado”, nos conta Niebla, que quando solto em 1974 fundou a Organização Revolucionaria Punto Crítico. No México, os primeiros números falavam em quatro mortos. O jornal inglês The Guardian apurou os fatos e denunciou: 325 mortos e milhares de feridos. Mas, na realidade, até hoje a quantidade de mortos e feridos é pouco confiável. A Comissão de Familiares atualmente sustenta que entre 300 e 500 pessoas morreram naquela tarde. Muitos procuram até hoje os corpos de seus familiares. Faltavam dez dias para o início das Olimpíadas e o batalhão especial, mobilizado para “dispersar” a manifestação era o temido Batalhão Olímpia (ver quadro). Investigações
Em 1969, o presidente Gustavo Díaz Ordaz Bolaños assumiu, perante o plenário do Congresso, a condição de único e total responsável pela medida drástica e extrema de reprimir a manifestação, fundamentalmente para “conter o avanço das hordas vermelhas”. Aplaudido, deu o tom do que ainda se mantém como versão oficial. “Os estudantes, que estavam armados iniciaram os tiroteios”. O então ministro do Interior no México, e depois presidente do país, Luis Echeverría, negou qualquer participação no ato. Em outubro de 1997 foi criada uma comissão especial para investigar o massacre.“Os que têm as mãos ensangüentadas podem ficar tranqüilos. Não estamos pedindo suas cabeças”, anunciava o deputado Pablo Gómez Alvarez , membro da comissão que investigava Tlatelolco e complementava. “Simplesmente o que pedimos é que não percamos a memória e que saibamos a verdade.” Alvarez estava presente no dia 2 de outubro no massacre de Tlatelolco. Na ocasião, foi preso e somente deixou o cárcere em 1971.
Com a criação da lei federal de Transparência, em outubro de 2003, o acesso aos documentos oficiais, guardados no Arquivo Geral da Nação, se tornou público, o que possibilitando, até certo ponto, reconstituir os fatos. Em dezembro de 2005, a comissão completou suas investigações entregando documentos que provavam torturas, seqüestros e assassinatos sob alegação de combater “atividades subversivas” entre os anos de 1962 e 1982. “A atitude autoritária que o Estado mexicano tomou para controlar a oposição criou uma espiral de violência que levou a se cometerem crimes contra a humanidade, incluindo o genocídio” informava o relatório da comissão. Porém, nenhuma das conclusões da comissão se reverteu em julgamentos ou prisões dos responsáveis pelo massacre de Tlalelolco ou de outras arbitrariedades do governo mexicano.
Em junho de 2006, Luís Echeverría foi condenado por genocídio. Devido à sua idade avançada – tinha 84 anos – cumpriu prisão domiciliar. Menos de um mês depois, seus delitos foram anulados, após sentença do juiz José Guadalupe Luna Altamirano, do Terceiro Tribunal Unitário Penal. O juiz afirmou que nenhuma das provas apresentadas mostra que Echeverría havia participado da “preparação, concepção e consecução de genocídio”. Em agosto de 2007, a promotoria mexicana entrou com um recurso de revisão contra a resolução do tribunal. O processo atualmente tramita sem alterações.
Em outubro de 2007, ao completar 39 anos do massacre, a frente de deputados e senadores ligados à esquerda mexicana lembrou o fato como um dos eventos mais dolorosos da história moderna do país. Javier González Garza, deputado pelo PAN, cobrou justiça e afirma estar envergonhado por todos os governos mexicanos desde então que apoiaram a impunidade. Na ocasião, os parlamentares ligados ao PRI e ao PVEM afirmaram serem contra o “linchamento histórico” e pediram para “superar a história”. Quem responde ao apelo é Carlos Monsiváis: “Não se preserva a ordem potenciando a impunidade, não se constrói uma sociedade mutilando a memória histórica, não se transcendem os crimes do passado remetendo ao esquecimento os nomes e as trajetórias dos criminosos, ainda à espera da sentença justa”, vaticina sobre Tlatelolco, que também poderia ser sobre qualquer outro fato histórico ao qual a América Latina sucumbiu por estes anos.
As sombras de Tlatelolco
Em 2005 , o jornal La Jornada e o canal Seis de Julio produziram o documentário Tlatelolco – Las claves de la massacre, onde reuniram todo o material cinematográfico sobre o 2 de outubro de 1968, depoimento de sobreviventes, investigações sobre as forças repressoras e o envolvimento da CIA (Agência Central de Inteligência) no massacre. O documentário também está disponível no site da Fórum (www.revistaforum.com.br/especial68). O documentário revela detalhes, como o sinal que identificava o batalhão “paramilitar” chamado de Olímpia, uma luva branca na mão esquerda. Olímpia abrigava cerca de 600 membros, formados nas escolas militares do México, que atuaram durante vários anos na repressão aos movimentos organizados no México, sob a égide do governo.
Em 2005 , o jornal La Jornada e o canal Seis de Julio produziram o documentário Tlatelolco – Las claves de la massacre, onde reuniram todo o material cinematográfico sobre o 2 de outubro de 1968, depoimento de sobreviventes, investigações sobre as forças repressoras e o envolvimento da CIA (Agência Central de Inteligência) no massacre. O documentário também está disponível no site da Fórum (www.revistaforum.com.br/especial68). O documentário revela detalhes, como o sinal que identificava o batalhão “paramilitar” chamado de Olímpia, uma luva branca na mão esquerda. Olímpia abrigava cerca de 600 membros, formados nas escolas militares do México, que atuaram durante vários anos na repressão aos movimentos organizados no México, sob a égide do governo.
Brunna Rosa, Revista Fórum
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